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Jéssica Ohara Jéssica Ohara Author
Title: DIAS DE DILÚVIO: A UNIÃO DO CAOS E DO ACONCHEGO
Author: Jéssica Ohara
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Há um pedaço de março em mim, e nele habita um olhar denso, desastroso e contínuo. Escorre pelas paredes como uma ...











Há um pedaço de março em mim, e nele habita um olhar denso, desastroso e contínuo. Escorre pelas paredes como uma sensação de amanhã dançando na ponta da língua. Como um arado eterno, ele se vai a passos arrastados. Não de astronauta, e sim de caçador de rãs. O preparo da gula molhando os lábios e adocicando os dedos de óleo. Respiro diamantes nas minhas buscas. Me achego vulto diante da besta fera para não acorda - lá. Sinto seu bafo e é tão quente quanto todas primaveras que engoli. Mãos feridas com mil farpas consagrando o cansaço. Viva março, as crianças raladas delirando no terraço que caiu sem avisar. Labor corando as testas vivíssimas. Março é ferro, gosto ocre. Tintilar no metal pesado. Locomotiva a pleno pulmões, urrando e estalando o novo. Lua de março, forte, doida e doída. Me ponho bruxo frente a ela. Fases bravias e conquistadoras. O peito sangrando, e o vermelho correndo na penugem guerreia. Feito maço amassado no bolso da camisa aliviando os parentes perdidos. Despedida é um exercício ardo. Fecho as janelas e sopro o pó, respiro elétrico enquanto o sol a pino me presenteia com sua tontura. Março ainda não é fruta, nem feira explodindo de sabor e cheiro, mas é suor, o labor da taipas estalando. Estalo crescendo indistinto, enquanto retorço ao futuro. Esperança de ver os primeiros brotos em Abril.







MARES DE (DI)VERSOS

Todo dia eu rasgo um poema com as unhas.
Meu litoral não tem fim. É meu pensamento plasmático des-
fazendo rugas passadas.

Aos desavisados estou de passagem
Hoje inteirei um século de espera pelos mares
Hoje inventei por querer desaguar demais
---
A gente não sabe o alcance das nossas palavras até elas nos 
alcançarem.

Dias de Dilúvio é um livro que me acompanha faz um bom tempo. Talvez até por ter feito parte da pré-produção dele como leitora beta. Mas por algum motivo demorei a fazer a resenha, aquela sensação de familiaridade ás vezes impede a gente de perceber a diferença que algo faz na nossa vida. Só esses dias, ao olhar os livros que trouxe do Rio, reabri o meu exemplar e comecei a reler os poemas. A necessidade de mostrá-los para o mundo se apoderou de mim.

LUA EM CÂNCER

Andando curiosamente pela vida. Sentindo as ondas. Toda 
vez que é lua em câncer, você aparece assim, do nada. Sinto o 
cheiro da própria lua me visitando, se assim pudesse. Tenho
pensamentos sem nenhuma obsessão, uma impressão bonita
do passado. Não me peça qualquer tipo de certeza. Às vezes
ainda arde, um pouco mais, um pouco menos, as vezes nem
lembro. A única coisa importante agora são as cores
rosas nascendo no horizonte.

A escrita do Eduardo funciona como o próprio título do livro: um dilúvio, uma chuva daquelas que enchem o bairro e bate nos joelhos. Mas não é água, são sentimentos que nos absorvem, que nos puxam em uma correnteza sem controle. Quem está acostumado a ler poesia, sabe que alguns poemas exercem um poder quase de arrebatamento, é esse o meu sentimento em boa parte dos textos em Dias de Dilúvio.

(...) Era mais sábio continuar em silêncio,
mas nunca fomos sábios...a sabedoria sempre foi dos deuses,
dos livros, das canções, e nós como ficamos? Alegrias breves e
tantos, tantos erros.(...)

O trabalho do autor é muito voltado a mistura dos sentidos, ele brinca com isso no uso inusitado das palavras, fazendo com o que o leitor tenha uma experiência sinestésica. Nós somos levados a adentrar dentro das almas dos eu-líricos de cada poema, com eles nós podemos nos identificar ou ter repulsa. Eu gosto muito dessa capacidade do Eduardo de criar vozes diferentes para os seus poemas, algo muito similar a música do Chico Buarque. 

(...) Frutífero serão os caminhos do caminhante
quando a terra vingar (...)

Eu recomendaria ler Dias de Dilúvio de duas formas: um poema por dia, como se fossem pequenas doses homeopáticas de profundas emoções ou de uma única vez, sem parar para respirar, só apreciando os poemas voltarem subitamente a sua mente, fazendo você rir e chorar aleatoriamente. Todo dia é dia de apoiar um autor nacional, esse livro é só mais uma prova de que você não vai se arrepender de dar uma chance a um autor fora do mainstream.

VIVENDO DE PASTO

Amo o jeito que as folhas se movem com o vento ou quando
canto para elas. Como caem ou esverdeiam. Como as flores
abrem ou murcham. A cor da terra. O pedido ou a negação da
água. Eu queria muito viver da terra, muito mesmo...no meio
do mato...mas ainda não é a hora de me semear.


AUTOR(A): Eduardo Costa de Mancilha
PÁGINAS: 76
EDITORA: Letramento
LANÇAMENTO: 2019
ONDE COMPRAR: Aqui

Sobre o Autor

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