Nós é um romance distópico escrito entre 1920 e 1921 pelo escritor russo Yevgeny Zamyatin. A história narra as impressões de um cientista sobre o mundo em que vive, uma sociedade aparentemente perfeita mas opressora, e seus conflitos ao perceber as imperfeições dele, ao travar contato com um grupo opositor que luta contra o "Benfeitor", regente supremo da nação. O livro só adentrou legalmente a pátria-mãe do autor em 1988, com as políticas de abertura do regime soviético, devido à censura imperante no país.
A Editora Aleph já me surpreendeu com muitos lançamentos, não é novidade para ninguém que a editora que mais publica ficção científica em terras brazucas é minha editora do coração. Porém, este lançamento me deixou completamente desnorteada por dois motivos:
1. Pela distopia fantástica de Zamiátin contida nessas páginas maravilhosas.
2. Porque eu não fazia ideia de que esse livro existia.
"Nós" é tida como a "distopia original" e eu nunca havia escutado nada a respeito dela. Distopias como "Admirável mudo novo" e "1984" são nomes comuns quando ouvimos sobre o gênero, quase leituras obrigatórias dentro do universo literário, mas "Nós" não é tão famoso e isso muito se deve à história do próprio autor mas...falaremos disto mais tarde.
Ambientada num mundo pós -guerra, a sociedade de "Nós" encontrou na racionalidade e na exatidão dos números a chave para a verdadeira felicidade: a ausência de liberdade e individualidade. O pensamento completamente coletivo de uma sociedade vivendo num mundo comandado pelo Estado Único, que em todas as eleições ganha por unanimidade, que está lá para cuidar de você e garantir que você siga todas as regras e, assim, seja feliz.
O coletivo funcionava de todas as formas. As tábuas das horas deixavam claro a exatidão dos movimentos coordenados dessa sociedade que funcionava como uma só. Todos levantavam os garfos para comer na mesma hora. Todos iam dormir na mesma hora. Todos trabalhavam pelo bem do Estado Único que coordenava de forma brilhante para manter a felicidade encontrada. Uma felicidade que uma sociedade como a nossa, jamais teria alcançado. Temos Liberdade demais.
As casas eram feitas de vidro, afinal, o que havia para ser escondido? Nada. Mas haviam aquelas duas horas destinadas ao lazer pessoal (embora determinados indivíduos preferissem que o Estado Único controlasse também esses momentos), onde se você tivesse um talão rosa de alguém poderia utilizar para manter relações com outro número com as cortinas fechadas.
Sim, número. Não há nomes nesta sociedade. E nosso narrador é um matemático brilhante e trabalhador árduo do Estado único. D-503 compreendia que a felicidade já havia sido alcançada. Era grato por isso, era grato pelo Benfeitor, que governava a todos com perfeição. Com exatidão.
Amor? Isso era um sentimento primitivo. Somente os antigos povos acham que isso era algo positivo. Alma? Isso era uma doença que precisava ser erradicada. Junto com a temida Imaginação. Veja só, se todos os números começassem a desenvolver a imaginação? Não seria um absurdo? D-503 também achava isso. Até um número acontecer.
I-330 aconteceu com D-503. E ao desobedecer as ordens do Estado Único e desenvolver o hábito absurdo de questionar, essa mulher acabou levando D-503 por um caminho sem volta rumo à uma alma. A uma imaginação. Rumo ao amor.
O livro nada mais é do que um diário de D-503 onde somos guiados por sua história, desde sua crença inabalável no Estado Único até o momento em que I-330 o faz questionar todas as suas realidades e hábitos. Faz ele pensar no individuo e não apenas no coletivo. I-330 pode lembrar muito a Julia ("1984") e isso não é apenas coincidência já que "Nós" foi obra inspiradora do mundo distópico.
A narrativa não é fácil, não foi uma leitura fluida e eu precisei intercalar a obra com outros livros. Não que o livro seja ruim, pelo contrário, Nós (além do valor histórico) é uma excelente obra, mas pela densidade de história que Zamiátin nos dá de presente. Uma densidade que mostra como o autor se entrega em sua escrita. Uma densidade de quem quer colocar o leitor para refletir e, acreditem, ele o faz. A escrita do autor também é, por vezes, um pouco confusa, você precisa de um tempo para conseguir imaginar aquilo que ele te propõe tornando a leitura um pouco mais complicada.
Estamos acostumados a ler os livros e sentir os sentimentos dos personagens e, talvez por isso, a leitura tenha sido tão desafiadora. Aqui não há sentimentos e, quando eles surgem, isso deixa D-503 confuso. Ele não entende o que está acontecendo. E isso faz com as coisas fiquem confusas para nós, que estamos analisando essa sociedade através dos olhos desse narrador. O caminho não é fácil, mas garanto à vocês que vale a pena.
Porque eu disse, lá no começo, que a história do autor importava? Autor russo, Zamiátin foi um revolucionário, aliado ao partido Bolchevique, preso duas vezes durante sua vida e esta obra foi escrita posteriormente à Revolução Russa.
A visão política do autor acabou fazendo com que suas obras fossem boicotadas dentro da então URSS. Nenhum trabalho de Zamiátin era publicado e o impacto disso foi tão intenso que o levou a escrever uma carta para Stálin pedindo que ele fosse autorizado à deixar o país com sua esposa ou, então, fosse deportado. A URSS havia retirado qualquer perspectiva para ele como escritor ou, nas palavras do próprio Zamiátin "[...]uma sentença de morte que foi pronunciada contra mim em casa". Essa grande represália teve sua consequências, o que pode ser tido como um dos motivos pelos quais pouco se ouve (ou ouvia) falar sobre este livro.

A edição da editora Aleph está impecável numa capa dura que mescla o preto e o vermelho e a diagramação interna está semelhante à utilizada em "Eu sou a Lenda" publicado pela editora. Essa diagramação somada com capítulos curtos escritos por Zamiátin, tornam a leitura um pouco mais fluida, apesar da sua densidade. Existem alguns materiais extras dentro dessa edição, como a carta à Stálin escrita pelo autor e uma resenha de George Orwell sobre a obra. Ou seja, uma edição para ninguém botar defeito!
Não posso dizer que a narrativa de Zamiátin é algo que te cativa logo nas primeiras páginas, uma vez que, exige um pouco de esforço e tempo para você conseguir engatar a leitura de fato. Mas, com toda certeza, é uma leitura que vale muito a pena. A literatura tem o poder de despertar em cada pessoa um sentimento diferente e sempre sinto que isso se acentua em obras distópicas. Este gênero nunca ficará velho, afinal, todo convite que recebemos para pensar em nossa sociedade e em nosso caminho como humanidade, é sempre válido. Podem embarcar nessa leitura e nesse universo com todo o amor do mundo, viu?!
TÍTULO: Nós
AUTOR: Yevgeny Zamyatin
EDITORA: Aleph
PÁGINAS: 344
ANO: 2017
ONDE COMPRAR: Amazon
Livro cedido pela Editora Aleph para Resenha.
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