Em O progresso do amor, Alice Munro, vencedora do prêmio Nobel de Literatura de 2013, volta a oferecer aos seus leitores a simplicidade e a maestria que renderam o reconhecimento extraordinário à sua escrita.
Uma mulher divorciada que retorna para a casa de sua infância, onde ligações profundas se confrontam com a memória de seus pais. O cuidado dos adultos com as crianças e a fragilidade que permeia a relação com a verdade entre pais e filhos. Um jovem rapaz que, ao se lembrar de um aterrorizante incidente da infância, tem um embate com a responsabilidade que assumiu pelo seu desafortunado irmão caçula. Um homem leva a namorada a uma visita à sua ex-esposa, apenas para se sentir próximo novamente de sua parceira distante.
Nesses e em outros contos, Alice Munro prova mais uma vez ser uma sensível e apaixonada cronista de nosso tempo. A partir dos laços entre os sujeitos e das memórias desses laços ergue-se uma narrativa incisiva, de poética cortante, fazendo do livro uma coleção de retratos íntimos e labirínticos de vidas comuns que revelam muito sobre nós mesmos, sobre nossas escolhas e nossas experiências amorosas.
Quanto a mim, eu estava contente por sair dali. Eu adorava partir. Na minha própria casa, eu parecia muitas vezes estar procurando um lugar para me esconder -- às vezes das crianças, mas mais frequentemente das tarefas a fazer, do telefone tocando e da sociabilidade da vizinhança. Queria me esconder para me ocupar do meu verdadeiro trabalho, que meio que ficar cortejando partes distantes de mim mesma. Vivia em estado de sítio, sempre perdendo aquilo que eu queria me aferrar.
Quando terminei esse livro fui logo no Goodreads, dar uma nota e ver a opinião de quem leu, entre as várias resenhas lá, uma que me marcou foi a que definiu Alice Munro como uma pintora, e eu devo além de confirmar isso acrescentar que ela cria imagens que não se limitam a serem lidas, mas fruídas como uma obra de arte. Não se pode entender a história por partes, mas pelo todo, algo indivisível, pictórico.
A cada conto surgem novas narrativas que não poderiam ser cortadas ao meio ou adicionada outras em cima, apesar de na sua maior parte elas não abarcarem logos períodos de tempo, sendo quase recortes de relações lembradas por algum momento, é impossível imaginá-los como só o pedaço de algo maior. Creio que Alice nos instiga a isso, viver o instante intensamente, vê-lo como algo que não pede um antes ou depois, mas só o agora.
Esse livre retrata o amor, mas poucas vezes o cita diretamente. Prefere construir instrumentos que possibilitam que o leitor sinta aquela coisa intangível, selvagem e abstrata, em algumas histórias parece até rude dar-lhe um nome, parece aquém do verdadeiro significado.
Acho que muito do que a autora buscou nesses contos foi falar desse sentimento que é tão forte e ao mesmo tempo fluido que poderia vazar e submergir as pessoas e todos que estão a sua volta, isso a simples menção de um Eu te amo. Talvez por isso que ela evite usar essa frase, preferindo a descrição de um olhar ou de um gesto onde está implícito todas as palavras.
A maior entrega que vi nas histórias era através da confiança, e não ela em sua forma cega e dramática. Mas as pequenas atitudes de lealdade que são tão aconchegantes. Alice não se atém ao lado romântico, fala das facetas dos relacionamentos com uma gama de personagens e situações bem diversas, mas que ao meu ver tem em comum uma luta constante contra a passividade, não se aceita a ideia de que há um destino a ser aceito. São lutas silenciosas vistas mais através de ações do que discussões. Há um grande monstro na frente do amor, e ele se chama acomodação.
Não foi a toa que Alice Munto ganhou o Nobel, o que é raro para uma cronistas. Ela certamente não precisaria de uma prêmio para comprovar que suas histórias são fortes e eternas, qualquer um que a lê poderia ver isso. Na verdade, acho que foi o Nobel que ganhou Alice Munro.
AUTOR(A): Alice Munro
PÁGINAS: 384
EDITORA: Globo Livros/Biblioteca Azul
LANÇAMENTO: 2017
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