O ano de 2013 terminou bem para Ben Stiller. Seu primeiro longa dirigido para os cinemas (ele já dirigiu alguns filmes que estreiam direto na TV, os chamados TV Movies) ganhou um prêmio do National Board of Review na categoria Top Ten Films. “A Vida Secreta de Walter Mitty” é uma adaptação de um conto homônimo do escritor americano James Thurber.
Eu não li o conto, mas dizem por aí na interwebs que a adaptação não capturou o tom sarcástico do autor. São meros detalhes, pois esse filme é uma bela obra estética, de encher os olhos, utilizando muito bem as ferramentas que a sétima arte possui. Temos cenas fantásticas que representam as “viagens na maionese” de Walter Mitty (Ben Stiller), que depois migram suavemente para suas viagens na vida real. Tudo se amarra muito bem no quesito forma/conteúdo.
A ironia do padrão de vida que Walter leva, sempre isolado e deprimido, se contrasta com o lugar em que ele trabalha: uma revista chamada Life (extinta em 2000 na versão impressa), que tem um lema incrível que encoraja o enfretamento dos desafios da vida (To see the world, things dangerous to come to, to see behind walls, draw closer, to find each other, and to feel. That is the purpose of life. Prevejo tatuagens espalhadas por aí). É exatamente tudo que nosso protagonista não faz, até se deparar com o fechamento da revista na qual se dedicou por 16 anos como correspondente de um fotógrafo Sean O’Connel (Sean Penn), que será responsável pela fotografia da última edição, o que encarrega Walter de providenciar tudo se não fosse por um detalhe: a foto sumiu, ou melhor, nunca chegou às mãos dele.
Começa então a busca pela foto da última capa da revista, que leva Walter a vários cantos do mundo atrás de Sean, pois o artista não tem endereço fixo e meios de contato. É um filme em que se foca na jornada, por mais clichê que isso pareça. A jornada em si é fantástica, o problema está no destino, a tão desejada foto, denominada a quintessência da vida, que deixou muito a desejar depois de vislumbrarmos paisagens fantásticas e conhecermos melhor a personalidade sensível de Walter. As cenas de "ação" em que Walter se imagina lutando com seu chefe são sensacionais, e aos poucos essa riqueza de sua imaginação vai se transferindo para sua vida real.
Outra parte bem clichê é o amorzinho platônico que ele desenvolve por uma colega de trabalho, Cheryl Melhoff (a sempre cômica Kristen Wiig em um papel mais sério para variar um pouco). Mas Ben Stiller segura as rédeas e não parte para a água com açúcar, contrapondo a melancolia do personagem em decidir abordar a colega por um site de relacionamentos com momentos cômicos em que Walter fala com um funcionário do site sobre como melhorar seu perfil, mesmo que seja enquanto escala um vulcão em atividade na Islândia.
Em medidas gerais, o filme surpreende mais pela questão de fotografia e pela temática do homem moderno solitário e deprimido, vivendo para trabalhar ao invés de trabalhar para viver. Com isto em mente, podemos relevar as problemáticas que se tornam menores e embarcamos na jornada interna de Walter, que acaba virando uma busca de si mesmo através de uma outra pessoa, por lugares inesperados.