Falar de Lars Von Trier é como falar de extremos. Não há
meio termo para os seus filmes, suas técnicas de filmagem e seu roteiro. É
sempre aquele negócio: ame ou odeie.
Para quem assistiu seus dois filmes anteriores, nesse novo já
não temos mais aquele clima extremamente pesado e carregado de depressão em
seus personagens, sendo a produção desses dois filmes uma forma de “exorcizar” seus
demônios pessoais, já que o diretor estava sofrendo de uma profunda depressão e
disse isso em diversas entrevistas. Com mais um filme cheio de polêmica, “Nymphomaniac”
prova ser uma nova fase do dinamarquês.
Aqui, acompanhamos a história de Joe, a qual foi encontrada
desacordada e cheia de ferimentos em um beco por Seligman, um homem de idade
que mora naquela região. Após o senhor lhe perguntar o que aconteceu, Joe diz
que ela é “uma pessoa má e mereceu isso”. Curioso em entender o que leva alguém
a se julgar de forma tão desprezível, o diálogo entre o homem e a mulher se
estabelece e Joe começa a contar passagens de sua vida.

Curioso como essas passagens se desenvolvem, aliás. Pequenos
detalhes na residência de Seligman servem de ligação para estabelecer o título
de cada capítulo do filme ou como algum tipo de metáfora para as ações de Joe.
Logo somos introduzidos em uma história de descoberta sem limites, começando na
infância e indo até a fase adulta de uma mulher que apenas pensa em sua própria
vontade (como ela mesma se descreve), mas seu ouvinte particular pensa
diferente: não a julga moralmente nem trata as histórias de Joe com repulsa.
Seligman quer entendê-la e buscar uma lógica para as atitudes da mulher através
da sequência de Fibonacci e da polifonia de Bach e essas referências tornam a
história de Joe ainda mais interessante.

Com uma quantidade considerável de sexo na tela, essas cenas
acabam se tornando algo já não tão impactante depois de certo tempo, assim como
é para Joe, com toda a crueza do ato exposta na tela e sem a pretensão de
despertar algum tipo de excitação no espectador. Diferente do que muitos
esperam, o filme possui uma boa carga de reflexão sobre como é estar na pele da
personagem, confirmando em um dos ótimos diálogos do filme que a solidão tem
sido sua companheira, em meio a tantas pessoas que passam por sua vida e que
lhe causam o mínimo de sentimento.
Vale ressaltar a incrível participação de Uma Thurman em um
papel secundário que mal aparece, mas conseguiu chocar com uma de suas melhores
atuações, mesmo que breve. Stacy Martin encara a jovem Joe com uma atuação
convincente e corajosa para seu primeiro filme e até o Shia LaBeouf consegue se
manter bem nas cenas em que aparece. Mas, sem dúvida, a melhor parte da
personagem principal deve ficar por conta da queridinha do diretor, Charlotte
Gainsbourg, que nessa primeira parte apenas fica como narradora, aparecendo
mais em ação na segunda parte, pelo que já foi divulgado.

Fazendo uso de uma dose exata de humor e quebrando o ritmo
sem prejudicar a história, Von Trier consegue mostrar uma nova faceta que lhe
caiu muito bem. O filme não tem um desenrolar rápido, está com menos de 30
minutos devido a edição e muitos se decepcionarão se esperam ver algum tipo de “pornô
cult”. Com um corte dividindo as duas partes no que promete ser a grande
reviravolta na vida de Joe, o filme acaba com a música do Rammstein explodindo
e causando ansiedade para a segunda parte que chega aos cinemas em março.