Dois estranhos se encontram num verão escaldante no Rio de Janeiro. Ela é uma designer em busca de trabalho, ele foi contratado para informatizar uma editora moribunda. O acaso junta os protagonistas numa sala, onde dia após dia ele relata a ela seus encontros frequentes com prostitutas. Ela mais ouve do que fala, enquanto preenche na cabeça as lacunas daquela narrativa.
Uma das grandes escritoras brasileiras da atualidade, Elvira Vigna parte desse esqueleto para criar um poderoso jogo literário de traições e insinuações, um livro sobre relacionamentos, poder, mentiras e imaginação.
Palimpsesto é aquilo que se raspa para se escrever de novo. Na época em que o suporte para a escrita era caro e de difícil acesso, não se podia desperdiçar material e aquilo que já não era considerado útil era raspado até ser possível que outra coisa fosse feita por cima. Mas esse ato não realmente apagava tudo, sempre ficavam marcas diluídas que podiam ser lidas se conseguissem usar o método certo ou com a luz correta. Um ideia bonita e triste ao mesmo tempo.
É isso o que a narradora do livro, através das histórias de João, busca o que ele não conta, inventando finais ou sentidos para cada coisa não dita. Um exercício não tão incomum, o de ouvir e tentar entender mais do que se está sendo contado, ver nas entrelinhas, através de um gesto, em um olhar aquilo que não consegue ser verbalizado. Naquelas relações complicadas (não necessariamente amorosas), onde reina o não-dito.
Em um primeiro momento, cheguei a pensar que os dois personagens principais flutuavam procurando por estabilidade, atrás de um significado para as suas ações. Mas depois percebi que todos os personagens, até os que pareciam mais firmes, eram todos balões de hélio. Eles estão perdidos nas próprias escolhas. Em um ponto onde não há mais possibilidade de volta, e o olhar para frente é aterrador.
Algumas vezes senti medo de continuar lendo, o vazio que estava em todas as histórias com prostitutas, chegava a sufocar. Em uma das partes, a narradora que não tem seu nome revelado, a designer, fala que não sabe o porquê, mas gosta de João. Também não sei o porquê, mas gostei dele, o que só aumentou a pressão para saber o que aconteceria. Havia a sensação de que ele não estava percebendo algo, que ela também não estava vendo, algo escondido na vida dos dois, que eles sabiam que existia, mas era tão difícil alcançar, tornando ainda mais frustrante a jornada.
Eu escolhi o livro porque gostei do título e queria saber como se falava palimpsesto(me julguem). Também escolhi o livro porque era uma autora brasileira. A sinopse foi a última coisa que eu vi. Praticamente um movimento em total desacordo com a minha rotina. Por isso não estava pronta para esse sentimento de queda que eu tive ao final, como se tivessem me jogado de uma janela, mas antes disseram que tudo o que eu via não era real, não era permanente. Procurando saber mais sobre Elvira, achei um vídeo (aqui) que ela diz: literatura serve para desestabilizar, para te deixar com dúvidas.
Ás vezes é preciso um baque para acordar, ás vezes é preciso que outra pessoa conte uma história para que você entenda a sua.
AUTOR(A): Elvira Vigna
PÁGINAS: 216
EDITORA: Companhia das Letras
LANÇAMENTO: 2016
ONDE COMPRAR: Livraria Cultura
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