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Jéssica Ohara Jéssica Ohara Author
Title: [LIVROS] RESENHA - NÃO ME ABANDONE JAMAIS
Author: Jéssica Ohara
Rating 5 of 5 Des:
Kathy H. tem 31 anos e está prestes a encerrar sua carreira de "cuidadora". Enquanto isso, ela relembra o tempo que pass...



Kathy H. tem 31 anos e está prestes a encerrar sua carreira de "cuidadora". Enquanto isso, ela relembra o tempo que passou em Hailsham, um internato inglês que dá grande ênfase às atividades artísticas e conta, entre várias outras amenidades, com bosques, um lago povoado de marrecos, uma horta e gramados impecavelmente aparados. No entanto esse internato idílico esconde uma terrível verdade: todos os "alunos" de Hailsham são clones, produzidos com a única finalidade de servir de peças de reposição. 

Assim que atingirem a idade adulta, e depois de cumprido um período como cuidadores, todos terão o mesmo destino - doar seus órgãos até "concluir". Embora à primeira vista pareça pertencer ao terreno da ficção científica, o livro de Ishiguro lança mão desses "doadores", em tudo e por tudo idênticos a nós, para falar da existência. Pela voz ingênua e contida de Kathy, somos conduzidos até o terreno pantanoso da solidão e da desilusão onde, vez por outra, nos sentimos prestes a atolar.



Há alguns anos vi Não Me Abandone Jamais e apesar das duas atrizes principais não serem as minhas favoritas, me surpreendi com aquela história tocante. Depois, fui saber que ela era baseada em um livro. Naqueles eternos ciclos da vida do leitor, decide que iria lê-lo, mas como o tempo só diminui e lista dos Quero Ler só aumenta, Não Me Abandone Jamais entrou nesse limbo. Mas esse ano resolvi retirá-lo de lá.

Devo começar falando logo a verdade, é uma história triste, bem triste, no sentido de que até a escrita é dolorosa. Em um tom nostálgico que beira a uma melancolia profunda. Havia visto isso bem representado no filme, mas o livro sempre traz aquelas nuances que nos atingem mais. 

Kathy conta a vida dela e de seus dois melhores amigos Tommy e Ruth, e a partir de suas lembranças vamos descortinando aos poucos como foram sua infância e juventude em um internato chamado Hailsham. Há um motivo para eles terem estado e tratados da forma que eram, um  destino já foi determinado para as suas vidas e por isso há um grande senso de desesperança com o futuro pelo menos ao meu ver, quanto mais eles se aproximam do dever a ser cumprido mais aumenta a tendência deles a se amarrarem a um passado idílico.

Ishiguro consegue desvendar com uma incrível sensibilidade a alma humana(se você já leu esse livro, saber as complicações morais que essa frase revela), ele cria uma narradora que a primeira vista parece confiável e quase imparcial, mas que aos poucos se revela tão cheia de incertezas quanto qualquer um. Fica sempre muito claro que a história está sendo contada de um ponto de vista e que podem haver outros. 

Nós somos colocados intimamente na cabeça de Kathy, seus medos, aflições, saudades se tornam nossos. Durante a leitura, mergulhei em cada emoção e descoberta dela, uma relação construída com muito cuidado não nos revelando uma heroína perfeita, mas só alguém que você poderia encontrar em qualquer lugar.

Eu já sabia o que estava acontecendo, quem eram eles e os seus propósitos na vida. Mas nunca consegui lidar no filme com a falta de um sentimento de revolta, e eu falo de uma raiva verdadeira que faria a pessoa querer fugir daquela situação, lutar de alguma forma contra todo aquele sistema. 

Lendo o livro consegui entender melhor, não aceitar, mas entender sim. Kathy, Tommy e Ruth foram moldados dentro de uma estrutura que torna impossível para eles ver algo de errado no que se espera deles, na verdade há um tom bem forte de honra em ser criado para ser um cuidador/doador.

Mesmo já sabendo que aquele era praticamente um curral humano, não conseguia deixar de me chocar a cada prova do que seria feito deles, a cada doação descrita eu sentia calafrios. Algumas raras vezes, algumas histórias(livros, filmes e série) já me fizeram ter reações físicas ao que eu estava vendo/lendo, de me deixar o estômago pesado e uma sensação de tontura, Não Me Abandone Jamais conseguiu ser um desses. Geralmente, quando isso acontece, deixo a história de lado, mas achei que seria uma traição fazer isso com esse livro, não depois de Kazuo ter me feito vê-los de forma tão próxima, se eu abandonasse a leitura ia me sentir como se estivesse concordando com toda aquela estrutura.

Parece uma reação forte para um livro tão simples e, até em certos sentidos direto, e acho que é dessa construção que advém essa força que atinge tão no âmago. Talvez o que tenha me ferido mais seja por causa das pequenas frases da escrita que me fizeram perceber que eu também estava sendo incluída na situação. Quando ela falava "Não sei de onde você veio, mas lá em Hailsham...", vi que aquelas memórias eram dirigidas para pessoas como Kathy, e ela me considerava uma delas.

[spoilers]Conseguir enxergar Ruth pelos olhos dela nem foi tão difícil quanto eu pensei que seria. No filme ficam poucas nuances da relação das duas, mas no livro tudo isso é bem desvelado. Kathy não ficou como cuidadora por tanto tempo sem ter uma vocação para isso, ela é apaziguadora e lida de forma muito sábia com as pessoas. E eu não consegui ficar com raiva de Ruth no final, na verdade, achei as reações dela e do Tommy mais normais do que as da maioria. Há um quê de revolta e conhecimento do inevitável neles que me tocou muito. [acabaram os spoilers]

No final não ficou raiva, culpa ou outra coisa, só tristeza. Eu consegui visualizar bem aquela última página. E foi quando eu terminei o último parágrafo que chorei. 




AUTOR(A): Kazuo Ishiguro
PÁGINAS: 344
EDITORA: Companhia das Letras
LANÇAMENTO: 2016 (Dessa edição)
ONDE COMPRAR: Aqui
26 Mai 2017

Sobre o Autor

Sobre o autor

Jéssica Ohara

Estudante de Conservação, viciada em livros desde sempre e em séries desde Lost.
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