“As noites infinitas de verão tem seu charme;
O outono tem folhas douradas, isso também reúne as pessoas;
A primavera clareia tudo após as tempestades intensas;
Mas o inverno tem magia própria”
“Mãe, você já me deu tudo que eu preciso”. Eu jamais conseguiria esquecer a frase que marcou o final de uma das séries mais marcantes da minha vida. Desse dia até o dia 25/11/2016, muita coisa aconteceu. Foram quase dez anos após o adeus e nós, fãs, continuávamos a imaginar a vida das nossas garotas Gilmore. Quase uma década sonhando com o, até então, impossível: ter a série de volta. Não foi fácil chegar aqui, afinal, uma série de fatores precisaram colaborar para que isso acontecesse.
Não deve ter sido fácil organizar uma agenda onde quase todos os atores estivessem presentes, todo o trabalho intenso e duro que envolveu muito amor por parte dos atores, membros da equipe e escritores para nos dar aquilo que implorávamos por anos. E, não menos importante é claro, nós: os fãs, que mesmo depois de um final inesperado, da falta de um adeus e com muita saudade no peito, nunca paramos de acreditar na magia que envolve Gilmore Girls.
Eu esperava as coisas diferentes, esperava que fosse sentir a série de forma diferente, mas ao ouvir o primeiro “I smell snow” eu reconheci tudo. Eu consegui perceber que nada mudaria porquê nada muda em seu lar não importa quanto tempo longe você passe. Lar, onde aquela sensação de conforto, aceitação e segurança te dão tudo que você precisa. Gilmore Girls foi nosso lar durante muito tempo e ontem pudemos finalmente voltar para casa.
É claro que as coisas estão diferentes, afinal, 10 anos se passaram desde nossa última visita à Stars Hollow. Kirk e Lulu adotaram Petal, que veio a ser um dos meus xodós nesse revival. Luke finalmente colocou um wifi no restaurante (mesmo que ele não deixe ninguém usar). Sookie não está mais na Dragonfly Inn com Lorelai. E, claro, Luke já não vive mais no pequeno cômodo acima do restaurante, afinal, hoje ele vive com Lorelai e eu seria capaz de apostar que ele ainda guarda um certo horóscopo na carteira.
“Quanto tempo faz? Parecem anos”. Rory está de volta a Stars Hollow recepcionada como merece com tacos e café. Entre mãe e filha percebe -se que pouca coisa mudou. A relação que tanto aprendemos a amar e admirar continua com a mesma sintonia de sempre. Mas basta uma pequena conversa com Rory para nós percebermos que para nossa mais jovem Gilmore, a vida não segue como o planejado. Fora o grande artigo publicado no New Yorker que deixou Luke Super Orgulhoso, a carreira de jornalista de Rory não parece ter deslanchado. Longe de ter conseguido se tornar a nova Christiane Amanpour, ela segue sem emprego (ou moradia) fixa, morando na casa de amigos ao redor do país, escrevendo artigos que aparentemente ninguém quer publicar até começar a escrever um livro com a história biográfica de Naomi Shropshire, uma mulher com altas tendências alcoólicas e ao furto de comidas em restaurantes.

Mas a instabilidade que guia a parte profissional de Rory não é a única. Rory também tem um novo namorado chamado Paul que, aparentemente, ninguém se lembra não importa quantas vezes você o encontre. E ele não é o único homem presente na vida de Rory no momento. Mesmo após dizer não ao pedido de casamento de Logan à 10 anos atrás, aparentemente, as coisas entre eles não acabaram. Mesmo estando namorando um homem (que aparentemente é impossível de lembrar até mesmo para terminar com ele), Rory e Logan mantém um relacionamento muito parecido com aquele que foi o início do romance dos dois. Sem amarras, sem compromissos. O que acontece em Vegas, permanece em Vegas.
Outro ponto interessante é a dificuldade de Rory de contar para Lorelai as coisas que envolvem Logan. Se vocês se lembram do relacionamento dos dois na série original, vocês sabem que a Rory quase não se abria sobre ele com a Lorelai no início e agora não é diferente. Ela está nesse relacionamento, ficando com Logan em Londres e ela esconde isso de Lorelai mais uma vez, num ciclo que não consegue ser quebrado, aparentemente.
Mas as grandes histórias desse revival estão nas Gilmore mais velhas. Lorelai e Emily e a relação mais complicada da série. Se a vida de Lorelai, por um lado continua igual com Dragonfly inn funcionando (mesmo que sem um chef permanente), por outro lado está tudo diferente. Hoje ela mora com Luke e tem de lidar com o luto do pai. De longe o plot mais denso e emocionante da série.
Lorelai é impulsiva, infantil e tende a fazer comentários inapropriados em qualquer situação, é parte da personagem e parte do porquê a amamos tanto. Mas quando o assunto é Emily Gilmore, essas três características de Lorelai podem fazer tudo explodir em segundos. Numa pequena discussão sobre o tamanho do quadro de Richard na parede, uma ferida muito mais profunda é aberta e, então, temos uma das cenas mais tristes e emocionantes da série. Todos sabíamos que não seria fácil lidar com a presença marcante da ausência de Richard. O patriarca da família não estava entre nós e ver nossas meninas lidando com essa ausência é pesado. Quando Lorelai não consegue nem mesmo contar uma boa história sobre o próprio pai as coisas tomam um rumo tortuoso entre mãe e filha.

Lorelai é a pessoa mais comunicativa da série, mas não com sua família. A relação entre eles envolve pouco diálogo e muita mágoa, uma receita perfeita para o desastre. Claro que Emily não está sabendo lidar com tudo, afinal, ela perdeu a pessoa que estava a 50 anos ao seu lado, aquele que sempre foi seu ombro, conselheiro e amigo. Mas Lorelai perdeu o pai e simplesmente jogar na cara da filha que “ela não se importa” e que ela sente apenas desprezo por essa família foi duro. Lorelai, ao seu modo, ama os pais. Mas nunca conseguiu dizer isso. Quando Richard vai parar no hospital pela primeira vez ainda na primeira temporada da série, aquela troca de olhares entre eles sem nem ao menos dizer uma única palavra, mostra muito bem como as coisas eram nesse relacionamento.
Jogar o relacionamento de Luke na conversa, dizer que a Lorelai é um desastre natural derrubando tudo e todos ao redor dela, foi cruel. Emily é a pessoa que mais consegue machucar Lorelai quando quer, ela sabe exatamente onde pisar para doer mais. Essa cena foi de um brilhantismo excepcional onde o roteiro foi fundamental mas a atuação de Lauren e Kelly foi lá no fundo do coração. Foi pesada, é claro, e machucou, mas foi uma das mais emocionantes desse revival.
O que sinto, grande parte do tempo, é que Lorelai se mostra sempre tão forte e autoconfiante ao mundo que as pessoas sentem liberdade de apontar para ela coisas cruéis, como dizer que não se importava com a morte do pai e, me desculpem amigos, mas eu não tenho coração suficiente para ver Lorelai chorando. Obviamente, ela poderia ter se lembrado de algum momento bonito para falar sobre o pai, foi cruel também com Emily ver que sua única filha não foi capaz de se lembrar de momento felizes com eles. Além de perder o marido, ter passado por isso no dia do velório não deve ter sido fácil.

No aspecto amoroso, Lorelai parece estar indo bem. Morando com Luke, com direito até mesmo a TV no quarto, ver ela feliz foi um colírio para os olhos. Para quem sofreu tanto nas temporadas 6 e 7, ver eles ainda juntos depois de 9 anos foi maravilhoso, afinal, muitos obstáculos estiveram no meio do caminho. A incrível falta de comunicação entre o casal foi origem de todos os problemas no passado e, aparentemente, 10 anos depois eles ainda precisam melhorar essa parte, afinal, eles nunca mencionaram sobre ter filhos um para o outro por presumir que o outro não queria. Foi particularmente bonita a forma como Luke falou do assunto mencionando como ele sempre considerou Rory como sendo filha dele, afinal, a própria Lorelai já nos disse uma vez que Luke era a presença paterna constante na vida da filha.
Apesar da incrível incapacidade comunicativa para assuntos importantes, o amor e a amizade que aprendemos a amar e admirar desde o pilot está ali. E é maravilhoso ver que depois de todo esse tempo, eles ainda se amam e se completam, como a própria Lauren Graham afirmou, sendo instrumentos completamente diferentes que juntos fazem um som estranhamente agradável. Ver Lorelai fazendo referências e Luke as completando mostra que um consegue captar a essência do outro para fazer o relacionamento funcionar.
Depois da conversa sobre ter filhos, Lorelai procura uma clínica para escolher uma provável barriga de aluguel para ter um filho com Luke. Isso sim foi algo que ninguém poderia prever. E ninguém poderia ter previsto, também, quem estaria no comando da clínica procurada por eles. Mas ela sempre esteve destinada a ter seu nome em uma porta, correto? A amada, forte e independente Paris Geller está de volta no melhor estilo Paris, fazendo empregados chorarem e, claro, tratando Lorelai como segunda mãe. Porém, nem mesmo falando sobre o filho de Neil Patrick Harris, Paris conseguiu convencer Luke a aceitar o procedimento.

Ver Paris, Rory e Lane juntas na casa da melhor banda de Stars Hollow também foi maravilhoso. Ambas sempre foram as constantes da vida de Rory e é bonito ver que esse laço não se perdeu. A Hep Alien continua junta, os filhos de Lane estão grandes e Paris está se separando de Doyle e lidando com seus dois filhos também. Tudo tão igual. Tudo tão diferente. Kirk está criando seu porquinho, jantando na casa de Emily Gilmore e seu “irmão Dirk” está tendo problema com o Uber devido ao Ööö-beer (para de fazer esse barulho!) e Taylor está querendo melhorar o sistema de esgoto contando com a ajuda de Luke, ou seja, mais um dia normal na pacata Stars Hollow.

Nada mais épico, porém, do que ver Emily Gilmore de calça jeans. Se livrando de coisas de não lhe dão alegria e agora com uma família gigantesca da empregada Berta morando na casa (que é interpretada pela Rose Abdoo, a Gypsy, diga-se de passagem), ela busca encontrar o sentido que perdeu na sua vida com a morte de Richard. Lorelai dá a brilhante sugestão de ir a terapeuta para que Emily pudesse lidar com a situação que estava passando agora. Surpreendentemente Emily acaba aceitando o conselho deixando Lorelai extremamente feliz, tão feliz que ela aceita ir conhecer a terapeuta também. Boa sorte, Lorelai. Você vai para terapia com a sua mãe.
O retorno de Gilmore Girls foi tudo que eu poderia ter pedido e um pouco mais. Foi maravilhoso ter Amy Sherman de volta, sentir sua escrita e a personalidade dos personagens exatamente como sempre foram. Foi maravilhoso ver referências atuais como Neil Patrick Harris, Ben Affleck, Marvel, aviso de gatilho, uber, Lena Dunham, Kardashian, twitter e isso não é nem a metade! Os diálogos rápidos estavam a todo vapor principalmente quando ditados por Lauren Graham que, aparentemente, tem uma capacidade absurda de falar infinitamente sem precisar respirar. A essência de Gilmore Girls é a mesma e essa é a grande chave do sucesso da série.

A magia de Gilmore continua. As meninas Gilmore estão de volta e depois de tanto tempo pedindo e esperando, ter esse presente de natal adiantado é mais do qualquer fã poderia querer. Ver como essa foi uma experiência maravilhosa para os atores tanto quanto é para os fãs, faz tudo parecer ainda mais certo. O final de Gilmore Girls sempre deveria ter sido escrito pela sua criadora, Amy Sherman – Paladino. Poder ver, tantos anos depois, isso acontecer é mágico.
Quase tão mágico quanto o inverno.
Nós ainda sentimos o cheiro de neve.