Eis que uma era chega ao seu final. Mad Men é oficialmente uma série encerrada. Durante sete temporadas, a obra-prima de Matthew Weiner pouco oscilou e se despede, portanto, no nível altíssimo que manteve desde sua estreia.
"Person to Person", escrito e dirigido por Weiner, encerrou tal era. As histórias de Don, Peggy, Peter, Joan, Betty, Roger, Sally e todos os demais personagens, tendo a relevante e interessante década de 60 como pano de fundo, se encerraram. O tal "final cíclico", que era o que eu imaginava para o Don Draper, se concretizou. O que eu não esperava, era que isto se aplicaria para todos os personagens em questão, uma vez que muitos deles terminaram da maneira em que começaram.
Começamos com o Pete, o personagem que menos apareceu neste episódio. Apenas o vimos em duas ocasiões: em sua despedida com a Peggy nos minutos iniciais, e após isso, junto com a sua família contemplando um frutífero futuro ao seu aguardo, num novo trabalho, numa nova cidade. O Peter pode ser considerado o personagem que mais evoluiu na série. Afinal, como se esquecer das suas birras, de sua arrogância e de seu desprezo ao Don, que o fizeram ser taxado como um antagonista. Quem diria que o personagem movido à nitroglicerina, terminaria como um dos grandes apoiadores e admiradores de seu arquirrival (e feliz).

O Roger fica marcado pelos seus momentos cômicos em Mad Men. Como sócio administrativo da Sterling Cooper, era de se esperar que ele fosse um cara comprometido e responsável. Mas não. Após muito descaso ao seu próprio fígado, um infarto, um par de esposas abandonadas, clientes bajulados e diversas frases engraçadas, o casamento com Marie Calvet é o final mais conveniente possível para o personagem. Afinal, ela não é uma versão feminina dele?
Uma das poucas críticas que faço a este episódio final é a afobação do roteiro em unir a Peggy e o Stan. Ambos dividiram o mesmo espaço de trabalho durante quatro temporadas, e nunca se trataram de forma amorosa. Sempre se foi possível imaginar um relacionamento entre os dois, mas isto não havia acontecido. Apesar de eu ter gostado do final de ambos, foi notável certa pressa do roteiro em unir definitivamente o casal, logo nos minutos finais da série.

Já a Betty, mesmo com um câncer de pulmão, não deixou seu orgulho de lado. Tanto é que um episódio após o diagnóstico, ela já estava fumando novamente. E a Sally, personagem que durante bom tempo tentou ser diferente dos pais, acabou justamente mostrando que é uma mistura da Betty com o Don. Quando ela mandou o Gene "cair fora" da cozinha para conversar com o Bobby, a primeira coisa que lembrei, foi disso. Quase uma adulta (e já fumante), ela praticamente se auto intitulou "mulher da casa", visto que a já sem forças Betty, está próxima da morte.
A história da Joan, após ter quase chegado ao final no episódio doze, quando ela aceitou deixar a McCann, recebeu em "Person to Person", seu complemento final. O fato de ela não ter medo de arriscar, é uma das coisas que mais admiro nela. Apesar de falhar constantemente na vida amorosa, vide sua discussão com o Richard, ela termina a série montando uma produtora, a Holloway-Harris, decisão tomada após um frutífero reencontro com o apagado Ken Cosgrove.
Harry Crane não merece nem uma linha inteira de comentários.
E por fim, o mais importante: Don Draper. Um exemplo complexo que ilustra o trocadilho que dá nome ao show e já considerado um dos personagens mais bem construídos da história, este anti-herói ideal, conquistou a simpatia e antipatia simultâneas de muitos. Desde cedo, muitos especulavam uma possível morte do personagem ao final de Mad Men, o que sempre foi plausível, visto o modo como ele cuida de saúde, e sua solidão sempre presente, até mesmo quando teve de dividir espaço com o prestígio social.

Após deixar o glamour de New York e a vida materialista, o personagem, do nada, decide desbravar o Oeste americano. A cada quilômetro rodado, ele se desapegava de algo relacionado ao seu passado. Ele chega à Califórnia apenas com suas roupas, encontrando então Stephanie, a sua “sobrinha”. Após ser convidado por ela a ficar num retiro espiritual, vulgo “hippie”, Don Draper finalmente encontra seu semelhante, alguém que falou o que ele queria ouvir. O discurso de outro cara, naquela sessão de terapia, serviu como um momento de redenção para o Don. Logo ele, que sempre dominou as palavras e o ambíguo uso da língua, precisou da ajuda de outra pessoa, para conseguir ouvir o que ele sempre quis. A cena final fechou com chave de ouro o excelente plot do personagem nesta temporada. E nem preciso explicar detalhadamente a cena, pois ela é fácil de entender. O Don usou a sua experiência naquele retiro, para em 1971 (um ano depois), criar a obra-prima de sua carreira da publicidade: o comercial da Coca-Cola - e também, claro, se desapegar de vez de seu passado (não duvido que ele mesmo tenha feito a propaganda da OLX).
Considerando a qualidade do roteiro da série, talvez Mad Men poderia mesmo ter tido um final superior. Todos sabíamos que podia. Mas este final simplório - e simbólico -, também foi muito bom, e encerra o show de maneira digna.
Durante as semanas que antecederam a estreia da 2ª parte da 7ª temporada, o promocional da série deu destaque a duas coisas: ao nome atribuído a esta leva final de episódios, "The End of an Era", e ao poster da mesma, que acompanhava a legenda "He's back in town". E este episódio final deu significado a tudo isto.
- “The End of na Era”, porque, definitivamente, uma era chegou ao final. E após o final de uma era, sempre se inicia uma nova. Acabaram os anos 60, uma época de muitas mudanças sociais nos EUA. Mas essas mudanças não foram exclusivas do país, elas também impactaram nos complexos personagens de Mad Men, que são, nada mais nada menos, do que um reflexo da sociedade da época. O principal deles, Don Draper, mudou na mesma medida. Após ter ido do céu ao inferno na sua vida pessoal e profissional, ficou explícito, que após este retiro espiritual, iniciou-se uma nova era em sua vida. Talvez ele tenha conseguido colocar sua vida nos eixos, talvez não. Isso não importa, pois Mad Men deixou clara a sua mensagem.
- E lembram do que o Stan disse para a Peggy, já nos minutos finais do episódio? O Don foge de sua vida, mas sempre acaba voltando. E o Stan estava certo. Toda vez que o Don se isola de seus círculos, ele volta diferente, e renovado. Isto definitivamente aconteceu. E sim, ele fugiu, mas voltou a cidade, e para criar a sua obra-prima. "He's back in town".
Mad Men deixa agora um vácuo na TV americana. Herdeira direta de The Sopranos, sua originalidade, quebra de paradigmas, fotografia e figurino de encher olhos, direção de nível cinematográfico, estrutura narrativa incomum, a facilidade de criar no telespectador o interesse por coisas do cotidiano de décadas atrás, e entre tantas outras particularidades, fazem desta série um marco na TV. Essa é uma daquelas típicas obras que daqui há anos, ainda serão lembradas com muito carinho.
Não acabou apenas uma era no universo da série. Acabou uma era na TV. Adeus Mad Men.