A palavra. Desde o som até o significado é importante para os seres humanos. É até mais do que isso: é parte de nós. A palavra é usada por vários meios a fim de atingir o outro ou a si mesmo, a conhecer o superficial e o profundo de cada um e de cada situação. Sem a palavra, seja escrita ou falada, ou ainda sem os discursos que formamos a partir dela, nossa vida simplesmente não teria significado, ou como buscar significado. Dessa maneira, trago aqui alguns filmes e séries que retratam um pouco do poder da palavra e do discurso e como este é utilizado para o bem e para o mal. Já trouxe um texto a respeito da escrita e dos livros, e creio que esta reflexão complementará aquela que começamos há alguns meses atrás.
Primeiramente podemos citar um filme que tem relação dieta com o discurso, começando pelo seu título: O Discurso do Rei de Tom Hooper. Este filme retrata muito do trabalho que envolve a produção de um discurso e de como isso muitas vezes é difícil para as pessoas. A história envolve um futuro rei que precisa falar ao seu povo, já que seu pai está doente e seu irmão não quer se responsabilizar pelo reino. Entretanto, o que se já se mostra uma tarefa complicada se agrava ainda mais, pois George, o futuro rei, sofre de gagueira. A gagueira é causada por problemas muitas vezes pessoais e traumas. Há solução, mas esta não vem fácil, pois exige muito treinamento e força de vontade para deixar o passado para trás. O filme é interessante uma vez que, além de mostrar as dificuldades pelas quais muitas pessoas passam ao ter que falar em público, também mostra a voz como instrumento essencial do discurso, visto a grande quantidade de profissionais que fazem dela instrumento de trabalho, tais como professores, jornalistas, políticos, etc. Nesses casos, a escrita por vezes não basta, e precisamos de uma voz conhecida para nos apoiarmos e que nos convença do que está sendo dito.
A questão do convencer com a palavra ainda nos traz outra caracterização do discurso no cinema, que na verdade se trata do que ouvimos e vemos e no entanto não percebemos. É o discurso como meio de manipulação de massas, muitas vezes usado para atingir fins políticos e econômicos sem se importar com as consequências. A respeito desse tipo de discurso é muito comum o gênero documentário, que aborda a questão por meio de dados econômicos e estatísticos e mostram a verdade que ninguém quer ver, como em Muito Além do Peso e Criança, a alma do negócio ambos de Estela Renner, e que através de dados sobre o consumo e a obesidade explica como se dá a manipulação de crianças através do uso desenhos infantis e situações escolares para vender alimentos calóricos e pobres em nutrientes e também brinquedos desnecessários. Assim, através de discursos que afirmam o quão legal e herói o indivíduo será com determinado sapato ou bolinho, é que as grandes indústrias manipulam as crianças com vistas a atingir o adulto, que será o verdadeiro consumidor, uma vez que a criança mesmo não pode consumir, pois não possui autonomia para tanto, o que transforma toda essa situação quase em um crime, um crime cuja arma é a palavra e a imagem, que também veicula valores.
Ainda há muitos outros documentários polêmicos que envolvem a manipulação da sociedade: Capitalismo: uma História de Amor e Tiros em Columbine de Michael Moore, Arquitetura e Destruição de Peter Cohen e Muito Além do Cidadão Kane de Simon Hartog. O primeiro mostra como o capitalismo age na sociedade e como pode dar falsas esperanças, assim como o segundo de Moore, que discute a questão do porte de armas nos EUA a partir da tragédia em Columbine que resultou em várias mortes. Já o filme de Peter Cohen mostra como Adolf Hitler usou da palavra e da arte para manipular cidadãos da Alemanha e tornar possível tudo o que aconteceu e que conhecemos bem. O último documentário trata da manipulação utilizada pela rede globo em relação à população brasileira que em geral passa muito tempo em contato com a televisão. A emissora, de acordo com o filme, aproveita de sua situação dominante na televisão aberta e de sua influência sobre a população para veicular valores e mensagens de acordo com seu próprio benefício. Isso tudo nos mostra um dos mais eficientes meios de se atingir um argumento preciso e dificilmente contestado: a apresentação de dados e evidências que ajudam na crítica à situação vigente na sociedade, seja em relação à saúde ou ao sistema capitalista, que apesar de ser vinculado à liberdade, muitas vezes não nos dá escolha. É ainda depois da apresentação desses dados que muitas vezes nos deparamos com uma ditadura disfarçada, algo que não parecia tão grave mais acabou sendo, como bem mostra Arquitetura e Destruição. A falta de reflexão sobre o outro lado da questão é muitas vezes o problema, como em A Revolução dos Bichos de George Orwell, em que os animais não questionavam a autoridade dos porcos, pelo simples fato de serem animais como eles. É ainda nesse viés que temos filmes que nos apresentam como podemos ser manipulados apesar de tudo o que já passamos ao longo da história, como em A Onda de Dennis Gansel.

Apesar de todo esse poder de manipular da palavra, temos ainda o poder de revelar verdades e mudar situações através dela. Um exemplo disso é o filme O Grande Desafio de Denzel Washington que mostra como a educação e o uso da palavra pode desconstruir pensamentos já estabelecidos e enraizados na sociedade, tal como o racismo e a segregação que foram tão fortes nos EUA e que ainda, infelizmente, deixam vestígios. O enredo trata de um grupo de jovens guiados pelo seu professor formando um grupo de debate que consiste em argumentar contra ou a favor de alguma questão. O grupo de uma faculdade negra, a Willey, compete com as melhores equipes sempre vencendo, mas o grande prêmio foi vencer de uma faculdade branca, a então Harvard. Assim, o filme mostra que a educação pouco contava na época, principalmente para a população negra, que se submetia a situações humilhantes devido às leis que priorizavam sempre os brancos, por vezes nem mesmo leis oficiais, o que não as tornam menos injustas, mais leis de conduta criadas entre as pessoas que implicavam em violência e morte e que eram ignoradas pelo governo. Através dos debates e por mostrar a situação dos negros no país é que o grupo chamou atenção para um problema muito sério, que se não fosse colocado em questão, jamais teria sido modificado, ainda que não tenha sido totalmente solucionado. Assim também podemos lembrar de Martin Luther King Jr., que foi um dos grandes homens que tratou dessa questão também por meio da palavra. Ainda cito mais alguns filmes que vale a pena conferir: Doze Homens e uma Sentença de Sidney Lumet e Boa Noite e Boa Sorte de George Clooney, que lidam, respectivamente, com o poder da argumentação de um membro do júri que convence todos os outros da inocência do réu e com o poder da palavra na mídia, envolvendo um jornalista que decide apresentar o lado dos comunistas, tão odiados, que eram julgados por crimes que não tinham cometido, apenas por serem comunistas e uma ameaça à liberdade nos EUA de acordo com Joseph McCarthy, um dos responsáveis por propagar esse discurso de ódio pelo país.
Vale ainda destacar mais um pouco a palavra como dom, que é usada para solucionar problemas e ganhar a vida. Esses casos, que já foram mencionados anteriormente, estão muito presentes em filmes como O Lobo de Wall Street de Martin Scorsese e séries como Scandal e House of Cards. No filme, um corretor acaba criando um negócio muito vantajoso a partir de sua “lábia”, isto é, de seu puro dom de lidar com a palavra para convencer vendedores a aceitar o produto que está vendendo sem que tenham que pensar muito, o que lhe garante lucros exorbitantes. Já em Scandal temos Olivia Pope, uma mulher muito bem sucedida, tanto que apesar de não trabalhar mais como acessora de imprensa na Casa Branca ainda assim é convocada para resolver problemas relacionados à visão que o povo norte americano e o mundo terá do presidente a partir de suas atitudes e discursos. Olivia tem o poder de usar unicamente sua palavra para conseguir o que deseja, sem precisar de apoio de nenhum tipo. É assim que também faz o congressista Frank Underwood em House of Cards, que busca contornar ou passar por cima de qualquer situação através de seu incrível poder de mentir e manipular. Claro ambas as personagens utilizam de outros meios fora a palavra quando a situação é extrema, porém tudo se baseia no discurso.

Dessa maneira, é importante ter cuidado com a palavra, pois nunca saberemos como ela pode ser usada para o bem ou para o mal, ao nosso favor ou contra nós, para prejudicar o outro ou ajudar. É por isso que não sabemos medir ao certo o poder da palavra, e não podemos descartar seu poder de criar e afetar outros como até mesmo em palavras de encantamento ou na criação de um monstro como um tulpa, presente em Hell House, episódio da primeira temporada de Supernatural, que se dá pela pura e simples repetição de uma história, ou seja, de palavras. Portanto, pensem bem no que e como falar com as pessoas assim como a abordagem que utilizaremos ao montar nossos discursos e falas, pois não queremos acabar sem língua, tanto figurativamente, quanto literalmente, como em Quiet, please, episódio da série Night Visions, muito antiga e pouco comentada, mas que merece elogios pelo enredo dos episódios. Isso mesmo, vale conferir seriadores!