Este texto contém spoilers
Seguindo a linha da moda Hollywoodiana, de desmembrar obras literárias em diversas partes, A Esperança - Parte 1, a maior estreia dos cinemas brasileiros, agrada muito mais os fãs da saga de livros do que os fãs de cinema propriamente dito.
Com Suzanne Collins como consultora do roteiro, o filme consegue ser bem fiel a obra original. Quebrando totalmente o ritmo imposto pelos duas primeiras partes da saga de Katniss Everdeen, A Esperança - Parte 1 pode soar estranho aos ouvidos (e olhos) daqueles que só acompanham as aventuras da garota na telona. Isso porque demora para explicar algumas situações necessárias para o total entendimento da trama.
O colorido da Capital dá lugar aos tons cinza, marrom e, por vezes, preto. Somente em algumas cenas, como a da canção à beira do riacho, é que cores vivas (como o verde) são mostradas. E não estão ali por acaso. Servem para simbolizar a palavra título do filme (seja em português ou em inglês, já que temos a presença de tordos na cena). A trama, por sua vez, mergulha de vez na questão política. Se antes a Capital governava os Distritos com certa calma, agora o totalitarismo está estampado e a manipulação da imprensa é, mais uma vez, uma grande aliada do governo. Mas dessa vez, seu papel vai além de só mostrar “o que o povo quer ver” (como a grande opção de entretenimento, com o reality show Jogos Vorazes). A imprensa serve para advertir. Enquanto a Capital manda mensagens aos rebeldes, estes revidam com mensagens inspiradas d’O Tordo.
Focado, também, no psicológico abalado de Katniss após o Massacre Quaternário, o filme cansa em algumas partes por abusar de sequências longas. Mas nem por isso perde o tom reflexivo que promete entregar. Apesar de focar no público infanto-juvenil, o filme é feito, em sua maioria, para os jovens adultos já que requer um pouco mais de interpretação nas entrelinhas. Apesar de ambientado em um futuro, os temas presentes na trama (como lutra contra desigualdades) são atemporais e, mais ainda, se encaixam perfeitamente no ano de estreia. No mundo real.
Jennifer Lawrence está impecável e ainda melhor do que nos filmes anteriores. E é a grande responsável pela maioria das sequências longas do filme. Algumas delas, tenho que admitir, podem não ser relevantes para a trama, mas são de um estado contemplativo sem igual. Os personagens secundários também têm um maior destaque, seja como líder do Distrito 13 (Alma Coin, intepretada por Juliane Moore) ou como o cara das propagandas (Plutarch Heavensbee, numa interpretação grandiosa de Philip Seymour Hoffman). O alívio cômico fica por conta de Elizabeth Banks, dando vida à versão cinza, mas ainda colorida, de Effie e Caesar Flickerman, interpretado por Stanley Tucci. Donald Sutherland continua impecável como o temido Presidente Snow e se mostrou mais convincente do que nunca. Gale (Liam Hemsworth) está mais presente na trama mas não empolga quanto deveria. Enquanto isso, Josh Hutcherson consegue se superar e deixar de lado o seu jeito bonzinho para encarnar de vez um Peeta manipulado drasticamente pela Capital.
As sequências longas são resultado de um roteiro lento. E a quebra do ritmo que estávamos acostumados, também. A consequência disso é um filme que, apesar de fiel, tem um ar de inacabado. A divisão em duas partes serve mais para o lucro dos produtores do que para a vontade de entregar aos telespectadores novas experiências em tela. Prova disso é que, numa edição mais rigorosa que, com certeza deixaria de fora as sequências longas, o filme teria, no mínimo, uns 20 minutos a menos.
Apesar de alguns deslizes que, por incrível que pareça fogem, dos blockbusters pradrões A Esperança - Parte 1 se mostra um filme bastante inteligente e complexo e cada detalhe da trama se encaixa perfeitamente, utilizando cuidadosamente os recursos que Hollywood tem para oferecer.