Essa é na verdade uma análise do filme, não bem uma crítica. Sendo a primeira parte livre de
spoilers. Peço desculpas se foge do estilo que estão acostumados a ler aqui no blog, mas é a primeira vez que escrevo sobre um filme.
Sinopse: Boyhood já entrou para a história do cinema só pela forma como foi concebido, foram 12 anos até a sua conclusão. O filme apresenta a trajetória de vida da infância à adolescência de um garoto chamado Mason. O diferencial é que o elenco não muda, os mesmos atores fazem todas as fases de seus personagens, o que acaba por mostrar um pouco a própria trajetória de vida deles. Você não somente vê, como sente cada mudança.
A frase que vem estampada no poster, dita por Andrew O'Hehir (Salon), já deixa claro que esse não é um filme tradicional. Longe de ser apenas uma forma ousada de rodar o filme, o projeto foi feito com calma, sem a pretensão de ser algo do tipo extraordinário, mas foi. Não da forma que estamos acostumados com a palavra, mas sim de uma simplicidade extraordinária. O filme retrata que não há nada mais delicado e interessante que o real, algo, por vezes, subestimado. Talvez, seja até por culpa do costume de muitos de nós de assistir
blockbusters, muitas vezes previsíveis e cheios de referências pop. Esse não é o caso aqui. Sim, estou falando isso de um filme que tem como música de abertura da primeira cena,
Yellow do
Coldplay, mas vão bastar apenas dois minutos de filme para vocês entenderem o que eu quero dizer.
Quem nunca teve aquela sensação de “estar em um filme?”. Pois é, não é irônico achar que você está dentro de um filme somente pelo fato que o momento se encaixa? Sabe, um momento único onde o lugar, clima, o seu estado emocional e a música ambiente parecem ser uma só coisa. Isso não devia passar a sensação de vida imitando a arte, pois sabemos que na verdade é exatamente o oposto. Os filmes estão o tempo todo lutando para conseguir passar essa sensação, esse prazer sútil que algumas pessoas conseguem ter através da consciência de que estão fazendo parte do momento. É fácil sentir isso, você só precisa parar um instante e olhar ao redor, pronto, você se torna consciente, você acabou de capturar o momento, exatamente como em uma foto. Com a diferença que você não vai usá-la para ficar revivendo e lembrando do passado. Não, você apenas parou para apreciar o momento, apenas para se dar conta de que aquilo estava acontecendo.
Boyhood conseguiu passar essa mensagem, que até então parecia impossível de ser transmitida. O cinema vinha tentando de tudo, deu atenção especial a fotografia, escolheu a dedo as músicas, valorizou os seus atores, mas nada disso parecia adiantar. Mesmo os filmes “baseados em fatos reais” não foram tão a fundo. Faltava algo. Algo que fosse autoexplicativo. Após 12 anos de trabalho de Linklater e sua equipe, fomos prestigiados com um filme que não gera novas perguntas, não traz grandes debates sobre a humanidade, nem mesmo está ali pra arrancar algo de você como uma lagrima ou um mesmo um sorriso. Não, esse filme é apenas um desses momentos únicos que vale a pena parar dois minutos para perceber que está acontecendo à sua volta e, apenas por um momento, se maravilhar com a beleza disso.
Contém Spoilers:
Gostei da forma simples como tudo foi retratado, na ordem cronológica, sem nenhuma interrupção de flashbacks, monólogos ou situação paralela. A intenção principal era mostrar o período da infância à adolescência de um jovem? Então parabéns, eles conseguiram. Mostraram as fases da vida de Mason sem menosprezar ou priorizar qualquer momento, deixando claro que você veria apenas alguns recortes. Assim, como em um experimento, pudemos assistir tudo o que acontecia no desenvolvimento dele. Um pouco The Truman Show, não?
Dessa forma o projeto foi se desenvolvendo de forma natural, como se tivesse vida própria. Quando algo de tipo Dragon Ball ou Harry Potter aparecia, ficava claro que não estavam tentando forçar uma identificação. Estávamos observando a nós mesmos com 7, 8 anos assistindo tv como uma criança normal nos anos 90 sem ter nada para fazer. É como se eles mostrassem de uma vez por todas que nada é tão importante como parece no momento, nem o seu vicio por video games, nem o seu novo padrasto e muito menos o novo clipe da Lady Gaga. Você vai construindo sua subjetividade, quem você é, através dessas coisas, desde as coisas mais simples até as mais complexas, mas o mais importante é que tudo muda, inclusive você. Por mais alegre ou triste que algo pareça no momento, provavelmente não vai ter o mesmo impacto sobre você daqui a 10 anos. Click é um filme que de certa forma também passa essa mensagem.
Então nada é importante? Pelo contrário! Tudo é, todas as relações, tudo aquilo que você toca e todas as situações a qual você é exposto, são partes de você. Cada interação e relação que você cria são essenciais para você conseguir entender a si mesmo. Boa parte se dá através dos seus gostos e de suas atitudes, assim o mundo se modifica à sua volta, com novas pessoas e novos lugares, por exemplo. Contudo, há momentos em que a escolha é de outra pessoa e você é a parte do mundo dela que se modifica. O que só confirma que mais importante que ser bom ou mau, é você ter a noção que toda ação tem uma consequência.
Não é só por ter 165 minutos que o filme se torna capaz de passar todas essas lições, ele é muito mais que um filme longo, é a melhor e mais real representação até hoje apresentada de como as lições de vida realmente acontecem, sem ao menos que você as perceba. Sabe aquela brincadeira que você faz com a sua mãe em relação a quem vai lavar a louça, uma troca boba de frases para saber quem faz a chantagem emocional mais forte e ganha o passe livre? Acontece de forma tão natural que você acaba se sentindo parte dessa família, imaginando até como os filhos crescem rápido e de tão envolvido que você fica, acaba nem lembrando direito como o personagem era no início do filme. Eu mesma levei um choque ao ver novamente a foto do poster após terminar de assistir.
Talvez eu tenha me comovido demais, afinal, toda vez que uma fase dele batia com uma fase da minha vida e a música era a mesma, eu acabava ficando um pouco impressionada. Mas sei que não foi apenas isso, me apeguei a todos os elementos e a todas as fases dos personagens. Por mais que tenha sido interessante ter visto um filme desse tipo tendo a mesma idade do ator, esse foi só um ponto a mais, o filme, com certeza, é muito mais que tudo isso.
TRAILER LEGENDADO