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Title: [TEMÁTICA DDS] COMIDA E SUAS REPRESENTAÇÕES
Author: mariana
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A comida é muito recorrente em filmes, séries e livros em geral, principalmente por ser uma de nossas necessidades primárias. Entretanto...

A comida é muito recorrente em filmes, séries e livros em geral, principalmente por ser uma de nossas necessidades primárias. Entretanto, no cinema e nos livros temos representações muito diferentes da comida, e também vários sentidos que lhe são atribuídos. Isso mesmo, a comida não serve somente para matar a fome, mas para muitas outras coisas e, inclusive pode trazer outros significados para o nosso cotidiano, significados que muitas vezes nem percebemos, e muito menos paramos para refletir. Pois aqui é o espaço para isso, e, agora, vamos falar um pouco dessa coisa que nos é necessária, muitas vezes prazerosa, e que interfere em nossas vidas diariamente.

Primeiramente, gostaria de apresentar a comida como todos a conhecem: necessidade. É algo que se faz necessário para nosso cotidiano, querendo ou não, e é importante para nos manter de pé. Inclusive, se procurarmos por qualquer filme que retrate a era primata, como A Guerra do Fogo de Ron Perlman, veremos a importância da comida, dado que a descoberta do fogo em si é importante para muitas coisas, inclusive cozinhar e, consequentemente, comer melhor, já que alimentos crus muitas vezes não são lá aquelas coisas. Assim, cito aqui uma série, no estilo reality show (só que muuuuito diferente do que conhecemos) que mostra casais de pessoas que a principio não se conhecem, mas que, apesar disso, devem não só conviver juntas, mas sobreviver juntas, uma vez que são colocados em uma espécie de floresta e são obrigadas a procurar sua própria comida e abrigo. Detalhe maior de tudo isso: estão pelados. Não é a toa que a série se chama Naked and Afraid traduzida como Largados e Pelados e exibida no Discovery Channel. Os casais passam por muitas dificuldades, mas com certeza a comida é a que fala mais alto, já que é muito difícil conseguir comida o suficiente para dois, tendo em vista que estão em um local desconhecido e perigoso. Creio que o conceito de comida como necessidade é visível nessa série. Um filme que também leva ao extremo a questão da necessidade, mais até que a série mencionada, é Vivos de Frank Marshall, que, baseado em fatos verídicos nada confortadores a respeito de um avião que cai nos Andes em 1972, deixando os sobreviventes desamparados em meio à neve e sem alimento, conta a história desses sobreviventes, que só são chamados assim hoje, devido ao fato de que foram forçados a se alimentar de seus companheiros mortos se quisessem sobreviver. É uma história realmente chocante, que causou muita polêmica na época, e pode ser encontrada em detalhes na internet e em documentários. 

Além dessa face da comida, temos outra mais interessante e estranha: a comida como símbolo de poder. Aqui ainda permanecemos no assunto canibalismo, que, sendo uma prática antiga, ficou muito marcada pelo modo como os índios a praticava. O canibalismo também pode ter sido uma necessidade no passado, assim como se mostrou no ocorrido em Andes, mas quando se trata dos índios é relevante tocar no seu significado, quase sempre relacionado ao poder que provinha em comer a carne de índios inimigos, ou ainda de como seria uma honra para um índio guerreiro, depois de perdida a batalha, entregar a si mesmo como alimento para o inimigo, ao contrário de fugir, o que demonstraria sua covardia. Na verdade, é exatamente disso que trata o poema I – Juca Pirama de Gonçalves Dias, sobre a tribo dos Tupinambás. Entretanto, essa tradição é vista até hoje em séries e filmes, ainda que não sejam histórias a respeito de tribos indígenas, como por exemplo na série Hannibal e nos filmes O Silêncio dos Inocentes de Jonathan Demme, Hannibal de Ridley Scott  e Dragão Vermelho e Brett Ratner que retratam o personagem, assassino que come partes de suas vítimas. O personagem Hannibal não parece praticar o canibalismo pela questão da absorção da força ou coragem de seus inimigos, como a tradição dos Tupinambás, mas usa de tal prática para ter uma espécie de troféu, de lembrança de seu trabalho, no caso, o assassinato de suas vítimas. É assim que também podemos interpretar muitos casos de canibalismo reais, em que assassinos dão este mesmo fim para suas vítimas. Nesses casos como o de Hannibal a comida se relaciona com poder no sentido mais sombrio possível, já que a comida é humana, e se refere somente ao prazer da vitória de um assassino, o poder que daí advém. É diferente portanto, da relação de comida e poder existente entre os índios, que veem essa questão do canibalismo como fonte real de absorção de poder, e não meramente simbólico, representativo. Alguns filmes que também vão nessa direção pela questão do canibalismo são O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante de Peter Greenaway e Delicatessen de Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro, que tratam o canibalismo mais como vingança e benefício, mas mesmo assim envolve, de certa maneira, uma relação de poder de um ser humano sobre outro. Essa relação de poder e controle da vida de um ser humano por outro é vista no filme O Último Jantar de Stacy Title, em que um grupo de amigos decidem durante uma refeição, por meio de conversas e discussões, se seus convidados merecem a vida ou a morte.


Entretanto, quando se fala em poder relacionado à comida, além da questão sombria citada no parágrafo anterior, também podemos pensar na questão do poder econômico e social de diferentes classes, como, por exemplo, em Downton Abbey. A série britânica, que retrata o cotidiano de uma família e seus empregados no início do século XX, mostra claramente a questão da diferença que se faz entre os nobres e os empregados até na hora das refeições, já que estes se alimentam na cozinha, enquanto aqueles fazem suas refeições diárias na sala de jantar, no andar superior da casa. A comida é bem característica e revela o que era possível para um empregado comer ou não, como em um episódio da série em que a babá não queria alimentar uma das crianças da família com ovo, por esta ser filho de um nobre com um empregado, ou seja, não inteiramente nobre. É realmente muito interessante pensar que certas comidas são direcionadas para certas classes sociais, e mais ainda em como esses padrões mudam, já que um ovo não é exclusividade de nenhuma nobreza nos dias de hoje. Na mesma série também podemos ver como muitas conversas e relações sociais se dão em torno da comida, uma vez que todas as questões importantes da família Crawley são colocadas na mesa, durante o jantar. É assim que a comida também junta pessoas e realiza mudanças na vida destas como em Tomates Verdes Fritos de Jon Avnet e Julie & Julia de Nora Ephron. Em ambos os filmes vemos como a comida reúne e transforma a vida dos personagens. O primeiro trata de duas mulheres, Idgie e Ruth, que mesmo já se conhecendo só se tornam amigas depois de muito tempo, e então decidem ter, juntas, uma espécie de lanchonete, que permanece como um símbolo da amizade entre ambas, e como essa amizade muda cada uma delas para melhor, uma vez que Idgie, antes perdida, acaba encontrando seu lugar e Ruth encontra forças para continuar sua vida, depois de  deixar seu casamento com um homem bruto e mau. Já no segundo filme, Julie tem sua vida mudada depois que decide fazer um desafio: cozinhar todas as receitas do livro de Julia, uma renomada cozinheira, e relatar suas experiências. Ao longo do filme, vemos como a personagem cresce e começa a tomar responsabilidades e decisões em sua vida. Ambas as histórias são lindas, e nos fazem pensar em quantas conversas já não tivemos na mesa de jantar, em bares, restaurantes, ou mesmo assistindo um filme e comendo pipoca. 

Outras duas representações da comida estão na literatura e em séries de competição culinária: a comida como representação de um povo e como arte. Na literatura, apesar de a comida ser recorrente em muitos escritores, é possível pensar naqueles que se dedicaram a caracterizar determinados espaços, como Jorge Amado e Monteiro Lobato, que retrataram muitas das comidas típicas do Brasil. Também há muito da comida em Eça de Queiroz, escritor português que retrata a comida de seu país. É assim que podemos encontrar muitas dessas representações em diferentes literaturas de diferentes países. A comida, assim como o clima, a terra e as belezas do país é como patrimônio cultural de uma nação, aquilo que a identifica, sua identidade. O país se constrói pelos seus costumes, cultura, literatura e inclusive pela sua comida, que não pode ser encontrada tão bem feita a não ser no seu lugar de origem. Assim, a comida representa um povo, mas também é muitas vezes utilizada nas narrativas como pretexto para a inserção de acontecimentos que marcam o personagem naquilo que ele é, ou como introdução de motivos para narrativa. Me lembro aqui de contos como o Felicidade de Katherine Mansfield, em que o arranjo de frutas leva o pensamento da personagem para outros lugares, como a combinação do arranjo com o tapete, o jantar, as pessoas que o compõe, sua filha, etc. Assim como o conto de Mansfield, há muitos outros em que a comida é ressiginificada e serve como introdução de acontecimentos outros que a cercam.


A comida como arte aparece principalmente em programas culinários, ou ainda aqueles de competição como em A Guerra dos Cupcakes. Esses programas retratam o quão importante se torna não só o sabor de um alimento, mas sua aparência, afinal, comemos com os olhos. Assim, um grupo de competidores lutam para saber quem ganhará o prêmio pelo melhor, mais bonito e organizado cupcake. Nem preciso dizer que a competição nos deixa com água na boca, pouco importando quem ganha ou não. Outras séries que lembram que a comida não é só para ser comida, mas também apreciada, são Cake Boss, Master Chef, Kitchen Nightmares, e inúmeras outras. 

Para finalizar deixo aqui alguns filmes que acredito retratarem a problemática da comida enfrentada hoje: o fast food. Filmes como Nação Fast Food de Richard Linklater e Super Size Me – A Dieta do Palhaço de Morgan Spurlock fazem severas críticas a respeito dos malefícios desse tipo de comida, nada saudável, porém é o que a maioria da população come, e muitas vezes não por necessidade, mas só por comer. É um assunto muito sério e que coloca a comida como uma questão a ser pensada, isto é, como algo que deve ser cuidadosamente escolhido, e sem exageros, para que não coloquemos em risco nossa saúde. De qualquer maneira esse tema é difícil de se esgotar, já que as representações para comida são tantas. O que podemos concluir, por enquanto, é que seja vilã, amiga, parte da cultura, algo sombrio ou pura necessidade, a comida está por todos os lados, das mais diversas maneiras.  
12 Jun 2014

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