Hoje, 31 de Março de 2014, completa-se 50 anos do Golpe Civil-Militar. Nesta data, no ano de 1964, iniciou-se um dos períodos mais violentos da história do Brasil. Com total apoio do governo dos Estados Unidos e em conjunto com as elites e outros setores conservadores da sociedade civil as Forças Armadas derrubaram o então presidente democraticamente eleito João Goulart (Jango). Este, que tentara fazer as até hoje tão necessárias reformas de base (reforma agrária, tributária, política e financeira) é obrigado, assim como muito outros, a se exilar. Após o golpe instaura-se um regime autoritário marcado pela censura, pela tortura, pela perseguição política e pela supressão de direitos civis.
Longos vinte e um anos se passariam até a redemocratização das instituições políticas brasileiras. Mesmo assim, tivemos que amargar a derrota do movimento pelas Diretas Já e a anistia dada aos agentes do Estado responsáveis pelas prisões, torturas, sequestros e assassinatos.
Muito além do período compreendido entre 1964 e 1985 a ditadura civil-militar trouxe conseqüências sentidas até os dias atuais. A cultura e a mentalidade dessa época estão incrustadas até hoje nas instituições e práticas políticas brasileiras. Muitas feridas continuam abertas, como a inconclusão da luta pelo direito à memória, à verdade e à justiça, mesmo com a positiva instauração da Comissão Nacional da Verdade; a violência de uma polícia ainda militarizada; a prática de tortura pelos agentes do Estado; a criminalização de movimentos sociais; o oligopólio midiático formado a partir do golpe; entre tantas outras coisas.
Porém, além do movimento estudantil, do movimento operário, das ligas camponesas, das guerrilhas urbanas, os intelectuais e o ramo artístico da época também lutaram contra o regime. Nesse âmbito, o cinema foi um dos destaques.
Atingindo duramente pela censura, o cinema brasileiro soube superar de forma criativa e magistral as dificuldades impostas para mostrar as atrocidades da ditadura. Com a segunda fase do Cinema Novo, alguns filmes produzidos durante o regime civil-militar mostram a genialidade e o poder de percepção de diretores como Glauber Rocha e Eduardo Coutinho.
Mas não só os filmes da época souberam expor a ditadura. Obras produzidas após a redemocratização retratam de forma fiel os fatos ocorridos durante o período de exceção e trazem a discussão sobre esse tempo para uma nova sociedade.
Então, para entender melhor esse período negro da história de nosso país seguem 15 filmes de vários períodos, estilos e perspectivas.
1. TERRA EM TRANSE (Glauber Rocha, 1967)
Um governador demagogo apoiado pelas massas disputa o poder com um senador conservador financiado pelo capital. Entre eles, um jornalista e poeta tenta conduzir um povo "ignorante e analfabeto" à emancipação social e econômica, mas se divide, ora apoiando um, ora o outro candidato. O enredo se passa em Eldorado, país fictício mas representativo do Brasil e outras nações latino-americanas, marcados pela tensão política e agitação ideológica.
2. PRA FRENTE, BRASIL (Roberto Farias, 1982)
Trabalhador de classe média é preso e torturado após ser confundido com um "subversivo". O enredo se passa em 1970, auge do milagre econômico e da conquista do tricampeonato mundial pela seleção brasileira. Em desespero, a mulher e o irmão se deparam com uma polícia que mente sobre o sumiço e empresários que financiam a repressão. De final trágico e inicialmente censurado pelo regime, é o primeiro filme que mostra abertamente a tortura.
3. CABRA MARCADO PARA MORRER (Eduardo Coutinho, 1984)
O filme é uma narrativa semi-documental da vida de João Pedro Teixeira, um líder camponês da Paraíba, assassinado em 1962. Foi interrompido em 1964, em razão do golpe civil-militar e recomeçado 17 anos depois. Foram reunidos os mesmos técnicos, locais e personagens reais para contar a sua história. Conta sobre as Ligas Camponesas de Galiléia e de Sapé, e da vida de João Pedro através das palavras de sua viúva, Elizabeth Teixeira, que também fala sobre sua história e a de seus filhos, separados dela desde dezembro de 1964.
4. JANGO (Silvio Tendler, 1984)
Documentário relata em detalhes a trajetória política de João Goulart, da origem rica à influência getulista, das dificuldades em implementar as reformas de base ao golpe militar, do exílio no Uruguai à morte na Argentina. Sob rico acervo de imagens históricas, o narrador apresenta um presidente em busca da justiça social, mas deposto por setores reacionários da política e da sociedade. Destaque para contexto fidedigno e depoimentos de atores centrais da época.
5. LAMARCA (Sérgio Rezende, 1994)
Drama biográfico sobre o ex-capitão do exército brasileiro e guerrilheiro Carlos Lamarca, centrado em seus dois últimos anos de vida. Em 1969, numa opção radical pela revolução, Lamarca decide mandar mulher e filhos para Cuba e desertar do Exército. Vivendo na clandestinidade, ele comanda assaltos e protestos. Participa da operação que resultou no sequestro do embaixador da Suíça, cuja liberação foi trocada por trinta militantes presos. Sofre intensa perseguição por parte do delegado Flores, personagem cujo nome faz referência a Sérgio Fleury, culminando em sua caçada e morte no sertão da Bahia.
6. AÇÃO ENTRE AMIGOS (Beto Brant. 1998)
Quando em 1971 quatro jovens amigos foram presos e torturados pela repressão, a namorada (grávida) de um deles acabou sendo assassinada. Vinte e cinco anos depois, os amigos se reúnem ao descobrirem que o torturador responsável continua vivo. Esta reunião tem um propósito: eles decidem sequestrar o sujeito e matá-lo.
7. CABRA-CEGA ( Toni Venturi, 2004)
Em São Paulo, em setembro de 1971, durante os “anos de chumbo” da ditadura no Brasil, as organizações clandestinas de combate ao regime estão debilitadas e discutem o abandono da luta armada. Nesse contexto, o comandante de um “grupo de ação”, após ser ferido à bala em uma emboscada da polícia, refugia-se no apartamento de um arquiteto simpatizante do movimento, onde permanece escondido, recebendo os cuidados de uma enfermeira. Do lado de fora, o cerco da repressão se fecha inexoravelmente, enquanto a tensão aumenta no exíguo espaço do esconderijo.
8. HÉRCULES-56 (Sivio Da-Rin, 2006)
Em 1969, num momento de auge da repressão pela ditadura civil-militar, o embaixador norte-americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, foi sequestrado por organizações de resistência armada. Em troca dele, foi exigida a libertação de quinze presos políticos e a divulgação de um manifesto revolucionário. Em represália, eles foram banidos do território nacional e levados ao México no avião Hércules 56. Este documentário recolhe os depoimentos de pessoas envolvidas nessa ação, discutindo as implicações da luta armada contra o regime civil-militar.
9. O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS (Cao Hamburger, 2006)
Aqui a ditadura é observada pelo olhar infantil de Mauro, um menino de 12 anos que precisa passar um tempo morando com o avô, já que os seus pais estão saindo de férias. Na verdade, o pai e a mãe de Mauro estão viajando por serem militantes de esquerda e são perseguidos pelo governo militar. Entretanto, o avô de Mauro falece no primeiro dia de sua estadia, e o garoto passa a conviver com seu vizinho judeu. Mesmo mantendo grande delicadeza, é bela a recusa do longa em se entregar ao melodrama, investindo nas singelezas do cotidiano do menino, cujos momentos se alternam entre a tristeza de estar longe dos pais e a emoção de acompanhar a Seleção na Copa de 70.
10. ZUZU ANGEL (Sérgio Rezende, 2006)
Drama biográfico sobre a empresária e estilista brasileira Zuzu Angel, que vivia a ascensão de sua carreira nos anos 1960 ao mesmo tempo em que seu filho, Stuart, ingressava na luta armada contra a ditadura civil-militar. Quando descobre que seu filho foi torturado até a morte após ser preso pela polícia, ela inicia uma árdua e arriscada luta pela busca do corpo de Stuart, enfrentando o descaso e a má-fé das autoridades, que parecem determinadas em não lhe oferecer explicações. Zuzu morreria em 14 de abril de 1976, em um acidente de carro cujas causas seguem sendo um mistério.
11. BATISMO DE SANGUE (Helvecio Ratton, 2006)
São Paulo, fim dos anos 60. O convento dos frades dominicanos torna-se uma trincheira de resistência à ditadura civil-militar que governa o Brasil. Movidos por ideais cristãos, os freis Tito, Betto, Oswaldo, Fernando e Ivo passam a apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional, comandado por Carlos Marighella. Eles logo passam a ser vigiados pela polícia e posteriormente são presos, passando por terríveis torturas.
12. CIDADÃO BOILESEN (Chaim Litewski, 2009)
Documentário biográfico sobre Henning Albert Boilesen, presidente do grupo Ultra, da Ultragaz, assassinado pela guerrilha em 1971. Nascido na Dinamarca, Boilesen veio para o Brasil aos vinte e dois anos de idade, onde se naturalizou. Entre depoimentos de pessoas que vão de familiares a militantes rivais, no Brasil e na Dinamarca, além de imagens e textos de arquivo, o filme esboça um perfil deste poderoso empresário e suscita debates acerca de um capítulo sempre subterrâneo dos anos de chumbo no Brasil: o financiamento por grandes empresários da repressão violenta do Estado à luta armada. O filme expõe as ligações de Boilesen com a ditadura, sua participação na criação da temível Operação Bandeirante e acusações de que ele teria assistido voluntariamente a diversas sessões de tortura.
13. MARIGHELLA (Isa Grispum Ferraz, 2011)
Documentário biográfico sobre Carlos Marighella, líder comunista e parlamentar que atuou nos principais acontecimentos políticos do Brasil entre os anos 1930 e 1969 e foi considerado o inimigo número 1 da ditadura civil-militar brasileira. Fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN) e autor do célebre Manual do Guerrilheiro Urbano, que inspirou movimentos de insurgência política em vários países, Marighella foi caçado, preso, torturado e morto em nome dos ideais que defendeu. Dirigido por sua sobrinha, o filme reconstitui elementos da vida política e afetiva deste baiano que dedicou a vida a transformar o Brasil. O filme conta com narração do ator Lázaro Ramos e depoimentos inéditos de Oscar Niemeyer e do ex-presidente Lula.
14. O DIA QUE DUROU 21 ANOS (Camilo Tavares, 2013)
Documentário que aborda uma dimensão até então pouco explorada pela filmografia sobre o período da ditadura civil-militar brasileira: a participação do governo dos Estados Unidos não apenas na perpetração do Golpe e na condução da Operação Brother Sam, como também no fomento do regime que duraria longos e violentos vinte e um anos. O filme expõe documentos e gravações até então mantidos sigilosos, revelando a ativa participação dos serviços de inteligência, como a CIA, além da própria Casa Branca e do serviço diplomático norte-americano. Essas informações que vêm à tona implicam diretamente os presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson como sabotadores do governo de João Goulart.
15. EM BUSCA DE IARA (Flavio Frederico, 2013)
Por iniciativa de sua sobrinha Mariana, Iara Ivelberg é a personagem que tem sua memória resgatada neste documentário. Uma bela jovem de família abastada, Iara ingressou em 1963 no Instituto de Psicologia, que era então parte integrante da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, na rua Maria Antônia. Ali, ela tomou contato com a política e envolveu-se com intelectuais e artistas. Após o Golpe, no ano seguinte, Iara começou a conduzir uma vida na clandestinidade. Foi companheira de Carlos Lamarca e teve grande influência sobre ele, razão para que ela se tornasse uma cobiçada prisioneira do regime militar. Sua morte em 1971 foi declarada oficialmente como suicídio, o que a família sempre questionou. Mariana, que à época não tinha nascido, começou em 2006 um processo de busca e reconstituição da vida de sua tia, tão presente no seu imaginário desde criança.
Através desses filmes e de tantos outros aqui não mencionados podemos entender melhor o período vivido no Brasil entre 1964 e 1985 e realizar um exercício de fundamental importância para a manutenção da democracia, reerguida após estes vinte e um anos à custa de milhares de vidas. Que os brasileiros, especialmente a geração mais jovem, não esqueça nunca a luta de milhões de brasileiros por um país mais justo, livre e democrático.
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DITADURA NUNCA MAIS!