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Title: [C.NERD] CRÍTICA #25 - A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS
Author: Diário de Seriador
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“Primeiro as cores. Depois o humanos Em geral é assim  que eu vejo as coisas. Ou pelo menos,  é o que  eu tento.” A obra magnífica de M...
“Primeiro as cores.
Depois o humanos

Em geral é assim  que eu vejo as coisas.
Ou pelo menos,  é o que  eu tento.”


A obra magnífica de Markus Zusak publicada em 2007 no Brasil, ganhou este ano sua versão cinematográfica. O filme que conta com produção de Brian Percival (de Downtown Abbey), teve seus altos e baixos. E não tem uma unanimidade entre quem o assiste. Uns amam, outros acham fraco, outros dizem “Que não foi fiel ao livro”. Em um resumo final: O filme vai deixar o que falar.



Primeiro vamos aos elogios, porque o filme merece muitos deles em vários pontos. Brian Percival foi brilhante e, se por um lado, ele não apegou muito a obra [em alguns detalhes] ele se apegou bastante ao período histórico em questão. A Alemanha nazista, as guerras, os ataques aéreos, a insegurança e a incerteza que marcavam o período estavam lá. Os atores Sophie Nélisse (Liesel Meminger), Geoffrey Rush (Hans Hubermann) e Emily Watson (Rosa Hubermann) foram ótimos desempenhando os papeis para os quais foram designados.

Porém é muito marcante uma mudança na característica de alguns personagens. Mudança esta, mais perceptível em Rosa Hubermann. No livro, em seu começo, a arrogância de Rosa beira ao absurdo e você tem a tendência a não gostar dela logo de cara. No filme isso não acontece, com os xingamentos alemães pouco empregados (e eles são abundantes no livro), Rosa fica um personagem beirando a amorosidade.

Alguns elogios merecem ser tecidos para a atriz Sophie que surgiu desconhecida para fazer um dos papéis mais concorridos dos últimos anos. E ela o fez bem, conseguiu transpassar a emoção necessária para as cenas e fez uma boa Liesel.  Geoffrey deu vida a um Hans que foi fiel ao Hans do livro, com suas características marcantes de amor, carinho, afeto, compreensão e paciência, Geoffrey convenceu na atuação interpretando o personagem de forma perfeita.

A trilha sonora também é um ponto alto do filme. John Williams cria uma trilha sonora fantástica para a obra, ela se encaixa com as cenas de forma impecável e por isso merecia seu devido crédito. Ela não é tão frequente no desenrolar da história e, talvez por isso, quando ela aparece é bem marcante. A fotografia também é maravilhosa, já havíamos percebido isto antes mesmo do filme ser lançado. A cenografia se mantém fiel à época em que o filme se passa e dá valor as cores.
E, então, a frase do começo faz bastante sentido. Sempre o contraste entre o branco da neve e o vermelho da bandeira nazista. A cor branca predomina durante o filme, na neve alemã. A frieza da época é quase palpável através desse pequeno detalhe. As cores escuras e os tons do fogo, presente no filme em muitos momentos, também são bacanas de serem observados. Sempre um contraste. Branco, vermelho e tons escuros. No fim, a Alemanha da época não era isto?! A frieza do branco, a incerteza dos escuros e o sangue vermelho. Uma Alemanha em guerra, com bombas explodindo, encontra no fogo seu lembrete silencioso.

Outro ponto perfeito foi o céu, bastante utilizado durante o filme e bastante marcante no livro. Encaixar tal cenário entre as narrações da morte foi fantástico. A morte, narradora, também não é recorrente. Ela aparece em momentos oportunos onde era cabível e, também, onde ela se faz necessária.


O filme é bom, sim. Seria injusto afirmar o contrário. Porém ele peca para com os amantes do livro. Existem fatos que são completamente alterados, falas que são mudadas e cenas que deveriam ter sido colocadas. Não havia razão para tais mudanças.

How about the kiss, Saumen...” Não. Esqueça o Saumensch. Você não o encontrará no filme. Agora alguns podem dizer: É só uma palavra. Mas não! Não é. Essa frase é marco no livro e, se é apenas uma palavra, o que custava mantê-la? Além disso, Hans não tinha cigarros que Liesel o ajudava a enrolar, a pequena roubadora teve pouquíssimas aulas no porão, seus pesadelos marcantes no livro são cortados como se nunca tivessem existido. Tais mudanças são compreensíveis, uma vez que, a obra já conta com 131 minutos entre as cenas proporcionadas. Colocar todos estes detalhes estava fora de cogitação, mas isso não significa que eles não façam falta.

Agora, o que a cena mais alterada de toda obra é o seu final. Não foi trecho tirado, não foi cena perdida. Foi cena acrescentada e sem sentido algum. Foi bonitinho?  Foi, claro. Mas a cena não existe! Teria sido muito mais emocionante se tivessem mantido a parte de Rudy como era (com ele já morto quando Liesel o encontra) e colocado uma cena que ficaria linda, que marca o livro e que foi ignorada no filme: A pequena Saumensch encontrando o acordeão de Hans em meio aos escombros e próximo ao corpo do pai. Ali, a emoção teria sido bem maior e a cena, em si, teria sido bem mais fiel ocupando, basicamente, o mesmo espaço de tempo. “A Sacudidora de Palavras” marco real nas palavras de Zusak, também não dá as caras na tela do cinema.

Os melhores sacudidores de palavras eram os que compreendiam o verdadeiro poder delas. Eram os que conseguiam subir mais alto. Um desses sacudidores era uma menina magrela. Ela era famosa como a melhor sacudidora de palavras de sua região, porque sabia o quanto uma pessoa podia ficar impotente sem as palavras.



Mas, entre tantos “poréns” e “emboras”, o  filme é bom, as cenas são bem feitas [embora os saltos de tempo tenham sido feitos de forma brusca e, então, você não os sente e fica uma coisa estranha], as marcas de uma Alemanha sob a ditadura de Hitler ficam bem retratada no filme. Num contexto geral ele é de uma beleza bem singular, e ele toca. Mas, não crie expectativas baseadas no livro, embora isto seja quase impossível é a melhor forma de ver o filme como obra cinematográfica e admirá-la quanto a isso.

A amizade de Liesel e Rudy foi um dos pontos altos do filme. Eles conseguiram retratar bem a amizade da pequena roubadora com o menino de cabelos cor de limão [eles acrescentaram esse adjetivo ao Rudy no fim do filme, afinal, seria um pecado imenso deixá-lo de fora], todos os momentos os atores conseguiram passar as sensações da amizade dos dois personagens e [talvez com a exceção do fim que a alteração se fez desnecessária, mas ainda assim com uma atuação ótima], todas as cenas foram boas. O pequeno Jesse Owens foi bem interpretado no filme.

Sabem o que mais encanta nesta história? A simplicidade com a qual ela é contada. E isso independe do livro ou do filme. Você percebe como as crianças viam a guerra, sem entender o que acontecia, como a morte se sente sendo o mais fiel discípulo de Hitler e como as cores do céu indicam muita coisa. A história das perdas e roubos de pequena Saumensch transpassam as páginas dos livros. Transpassam a tela do cinema. Transpassam todas as barreiras e tocam o seu coração. Ela nos mostra a importância das palavras e do quanto elas podem mudar uma pessoa, mesmo que uma criança. Ela mostra toda a vontade contida em uma pequena criança filha de uma comunista, separada da mãe e indo viver na Alemanha de Hitler de aprender a dominar as palavras e entendê-las. Aprendendo a amar Hitler na escola e a odiá-lo nos pequenos detalhes. Ela nos mostra uma morte que sente o peso do seu papel, e não é feliz com isso.

Se o filme não foi magnífico por esses detalhes, ele é bom dentro do proposto. Ele vale o ingresso pago, ele te coloca lágrimas nos olhos e, para os mais apaixonados pelas palavras e Zusak, uma pontada de dor no coração. Ele tem sua beleza quando analisado como obra cinematográfica e sem comparações com o livro original. Sem estas comparações, que são inevitáveis, a versão da história de Liesel das telas do cinema é emocionante.

Se antes quando a morte te contava uma história que você devia parar para ler, agora, você deve parar também para assistir.

 Gênero: Drama, Guerra
 Duração: 131 min.
 Origem: Estados Unidos, Alemanha
 Estreia: 31/01/2014
 Direção: Brian Percival
 Roteiro: Markus Zusak, Michael Petroni
 Distribuidora: Fox Film do Brasil
 Censura: 14 anos
 Ano: 2014








Nota do DDS:


"O ser humano não tem um coração como o meu. O coração humano é uma linha, no passo que o meu é um círculo, e tenho a capacidade interminável de estar no lugar certo e na hora certa. A conseqüência disso é que estou sempre achando seres humanos no que eles têm de melhor e de pior. Vejo a sua feiúra e sua beleza, e me pergunto como uma mesma coisa pode ser duas. Mas eles têm uma coisa que eu invejo. Que mais não seja, eles têm o bom senso de morrer.
02 Fev 2014

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